No
decorrer dos milênios, tanto nas civilizações do Ocidente quanto nas do
Oriente, essas mulheres de poder quase sempre desempenharam livremente o seu
papel, respeitadas e admiradas pelas pessoas.
Eram curandeiras, parteiras,
sábias nos usos medicinais das ervas, folhas, raízes, conhecedoras dos
mistérios da natureza, da vida e da morte. Eram também sacerdotisas,
profetisas, médiuns que funcionavam como elemento de ligação entre os vivos e
os mortos, entre os humanos e os deuses.
Claro,
havia também homens que exerciam essas funções. Mas eram minoria. Desde sempre,
a natureza sensível da mulher foi considerada mais adequada para perceber os
segredos da terra e manipular suas forças.
No passado, como no presente, as
mulheres são as herdeiras das antigas tradições dos tempos matriarcais,
pré-cristãos, quando pontificava uma divindade feminina, a Grande Mãe Terra,
mais simplesmente chamada A Deusa.
Ela dominou a sociedade durante muito tempo,
até o advento, há apenas dois ou três mil anos, do ciclo patriarcal, no qual a
divindade máxima é um deus masculino, feito à imagem e semelhança dos homens.
Desde então, tudo se inverteu. Os valores defendidos e ensinados passaram a ser
aqueles convencionalmente atribuídos ao princípio masculino – a honra, a
valentia, a competitividade, o espírito de conquista. Pouco a pouco, foram
sendo esmagados os valores atribuídos ao princípio feminino – a receptividade,
a adaptabilidade, a cooperação, o respeito à natureza e suas leis.
No
decorrer da era patriarcal, as mulheres foram colocadas num plano muito
inferior ao dos homens. Identificadas como causa e objeto do pecado pela
tradição judaico-cristã, consideradas instrumentos do diabo para a perdição dos
homens, as mulheres perderam quase todas as possibilidades de afirmação.
Desprestígio
começou na Idade Média
Foi
na Europa medieval, dominada pela religião patriarcal cristã, que se
cristalizou o desprestígio da condição feminina. Todo o poder se concentrou nas
mãos dos homens. Em primeiro lugar vinha o deus masculino; em seguida seus
representantes na terra, o papa e o rei, com suas respectivas cortes; depois o
senhor feudal; e finalmente o cidadão do sexo masculino. Para as mulheres
praticamente nada restava na repartição do poder. Quase escravas dos seus
senhores, seus papéis sociais limitavam-se à função de esposa e mãe, ou às
profissões que reproduziam na sociedade esses mesmos papéis: enfermeiras,
cozinheiras, costureiras, parteiras, domésticas. As que desejavam escapar desse
destino podiam entrar para um convento (para se tornar esposas de Cristo), ou
mergulhar no difícil caminho da prostituição (esposas de todos os homens).
Mas
o desejo de liberdade, quando se instala no coração e na mente de uma mulher, é
capaz de remover montanhas. Mesmo naquela situação de asfixia, algumas mulheres
se rebelaram contra a camisa-de-força patriarcal e procuraram escapar dela.
Entre essas mulheres estavam as bruxas. Herdeiras –conscientes ou inconscientes
– da antiga tradição libertária dos tempos matriarcais, as bruxas faziam uso
dos conhecimentos mágicos oriundos dessa tradição passada de mãe para filha,
com o objetivo de conquistar poder. Muitas tornaram-se realmente mulheres de
conhecimento e poder, e sua presença logo se destacou no meio da massa de
mulheres reprimidas e esmagadas.
O
poder patriarcal identificou nessas mulheres um perigo, uma ameaça, e reagiu.
Como poderiam aqueles homens – por um lado, eles próprios prisioneiros dos
papéis masculinos estereotipados que eram obrigados a representar e, por outro,
pelos dogmas de uma igreja que dominava pelo terror – admitir a existência de
mulheres mais livres e poderosas (no sentido mágico) do que eles próprios?
A
ordem foi acabar com essas mulheres e, na onda terrível de perseguição, até
alguns homens foram condenados à morte pelo mesmo “crime”: a bruxaria. Mas,
segundo as estatísticas, as mulheres constituíram cerca de 80% das vítimas.
Oitenta
por cento daqueles que a Inquisição mandou para a fogueira eram mulheres.
Principal acusação: prática de bruxaria.
60
mil mulheres queimadas vivas
Tribunais
da Inquisição eclesiástica surgiram em toda parte nos países europeus e
inclusive nas Américas do Norte e do Sul. Calcula-se que cerca de 60 mil
mulheres foram queimadas vivas entre os séculos 14 e 18. Um genocídio que,
levando-se em conta a exiguidade da população naquela época, pode ser comparado
ao massacre dos judeus pelos nazistas.
A
acusação formal nesses julgamentos sumários era de heresia ou de pacto com o
demônio. Mas, na verdade, bastava que o cidadão, principalmente se fosse mulher,
se diferenciasse um pouco dos padrões da moral e do senso comum estabelecidos,
para ser jogado no braseiro. Joana D’Arc foi queimada porque queria ser
guerreira; Giordano Bruno, por afirmar que a Terra não era o centro do
universo. Os anais da Inquisição estão cheios de relatos inverossímeis para a
mentalidade de hoje. Existe, a título de exemplo, a história de uma mulher que
não conseguia acordar durante a noite quando o marido a chamava. A infeliz foi
parar num tribunal, denunciada pelo próprio marido, que a acusou de, durante o
sono, abandonar o corpo em espírito para encontrar-se com o demônio. A mulher
foi condenada e morreu na fogueira.
Dessa
paranoia masculina nasceu a imagem feia e negativa que até hoje conservamos das
bruxas. Mas, no bojo dos recentes movimentos de libertação da mulher e de
resgate dos valores do feminino, essa imagem passa por um rápido processo de
transformação. Ao lado da eclosão de ciências “femininas”, como a ecologia,
estreitamente ligadas às leis e necessidades da terra, existe hoje, em todo o
mundo, um enorme interesse pelos conhecimentos e valores essenciais da
bruxaria. Claro, uma bruxaria moderna, de linguagem e roupagens renovadas, e
não mais conectada a feitiços baratos à base de sapos, morcegos, vassouras e
caldeirões. Muitas centenas de livros sobre o tema foram lançados nas últimas
décadas, e seus autores apontam para o ressurgir de uma espiritualidade baseada
na sacralização da natureza – exatamente o tipo de espiritualidade desde sempre
praticado pelas bruxas.
Muitas
analogias podem ser feitas entre a base essencial da religião das bruxas e a
moderna psicologia. Por exemplo, as bruxas consideram reais quaisquer
pensamentos ou fantasias, acreditando que eles influenciam concretamente as
ações no presente. Assim, um fato realmente ocorrido e uma fantasia inventada
pela imaginação têm idêntico valor psicológico. A psicologia tem essa mesma
visão.
Na
mente reside, para as bruxas, o poder de produzir mudanças, o poder de
transformação. E cada mudança, acreditam, começa pelo encorajamento de uma
atitude psicológica favorável a ela. Para exemplificar, se você deseja mudar de
profissão, comece por se imaginar no desempenho de uma outra atividade que lhe
proporcione sucesso, prazer e entusiasmo.
Ideias:
Primeiro na mente, depois no mundo
Pelo
fato de acreditarem que uma ideia deve viver na mente antes de viver no mundo,
as bruxas atribuem grande importância à vida imaginativa. Por isso, as técnicas
que ensinam a estimular e a focalizar a imaginação (como os recentes métodos
batizados de visualização criativa ou a neurolinguística) constituem
plataformas básicas da moderna bruxaria, junto ao poder da vontade e a força da
mente.
Artefatos
tradicionais ainda utilizados por algumas bruxas modernas, como a bola de
cristal, espelhos mágicos, incenso, velas, joias, amuletos e talismãs, são na
verdade usados como meios de capturar e fixar a atenção para, em seguida,
desencadear processos cognitivos sutis da mente.
Na
bruxaria, a vontade individual é sagrada. Depois de aprender a visualizar os
seus desejos, a bruxa aplica o poder da sua vontade para trazê-los à realidade.
A
única regra que controla e restringe o jogo da vontade é de tipo ético: ela
nunca deve ser usada com propósitos egoístas ou destrutivos. A regra de ouro da
bruxaria é: “Faça tudo aquilo que quiser, até o ponto em que o seu querer
comece a perturbar ou ferir os outros”. O raciocínio que está por detrás dessa
lei baseia-se muito mais num sentido de equilíbrio do que num ideal caridoso ou
moralista. As bruxas acreditam que tudo aquilo que fazem produz efeitos que
retornam a elas muito mais fortes do que a ação inicial. Pela “lei do retorno”,
axioma fundamental da magia, o mundo é, para cada um de nós, um imenso espelho:
tudo que projetamos nele, sejam atos, pensamentos, emoções ou sentimentos, mais
cedo ou mais tarde voltará, como um reflexo, para aquele que fez a projeção.
Assim, praticar magia para o bem trará sempre compensações positivas. Mas fazer
feitiços maléficos é uma atividade muito perigosa, porque ao fazê-los a bruxa
envolve-se com forças destrutivas que podem repercutir sobre a sua própria
vida.
Mas,
por outro lado, se alguém praticar o mal contra uma bruxa, ela estará, devido a
essa mesma lei, perfeitamente a salvo ao executar o seu ato de vingança. Usará,
nesse, caso, a própria energia negativa desencadeada pelo agressor,
simplesmente devolvendo-a à origem.
Como
a bruxinha cheia de charme que encontrei naquele jantar, as bruxas modernas
estão soltas, livres e atuantes. Confundem-se a tal ponto com a mulher comum
que sou tentado a dizer que toda mulher pode (e talvez deva) ser uma bruxa.
Elas são pessoas que entenderam que magia não precisa ser, necessariamente, uma
atividade que envolva estranhas cerimônias feitas atrás de portas fechadas.
A
magia das bruxas é coisa tão natural quanto o ar que se respira, e o universo
inteiro, dentro e fora de nós, faz vibrar constantemente o seu misterioso poder
mágico. A natureza é mágica, e a mulher e o homem, seres que sintetizam todo o
microcosmo natural, são também reservatórios do poder mágico.